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Resenha de "Sobre Querer Mudar" (Adam Phillips)

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De uns anos pra cá, a palavra “mudança” virou quase um mantra. Todo mundo quer uma versão 2.0 de si. Em "Sobre Querer Mudar", o psicanalista Adam Phillips desmonta isso com calma. Ele pergunta: por que queremos tanto mudar? E quem é que está pedindo essa mudança — a gente ou um ideal colado em nós?


É interessante notar como o “querer mudar” nasce muitas vezes de vergonha e culpa. A vergonha de não ser o que “deveríamos” ou a culpa por não corresponder. Quando a mudança vira mandamento? E, além disso, até que ponto a mudança não é a repetição ou reforço dos mesmos impasses?


O estilo de Phillips ajuda, lembrando o do psicanalista Winnicott. O autor parece perguntar se não vale mais a pena conviver com o inacabado — e ver o que daí, com o tempo, muda de verdade. Há uma menção na obra ao conceito de objeto transformacional de Christopher Bollas. Ao longo da vida, buscamos encontros que nos mudam por dentro, ajustando o nosso “idioma pessoal”. E isso também em parte justificativa por que tanta tentativa de mudança falha: focamos o comportamento e poupamos o arranjo implícito — o que Bollas chama de “não-pensado sabido”.


No contexto do trabalho psicanalítico, não é o analista que “muda” o paciente. É o encontro que autoriza sonhar a experiência, conforme Ogden. O que não pôde ser sonhado vira atuação repetida, mesmo que disfarçado de mudança. Do lado clínico, ele lembra que a própria psicanálise nasceu da observação de que sentimentos e desejos podem ser convertidos em seus opostos, em ideias aparentemente sem ligação ou até em sintomas físicos.


Phillips toma a ideia de conversão (tanto na religião como na psicanálise) como a metáfora preferida para problematizar o que se entende por mudanças. Em vez de “como mudo rápido?”, troca para o questionamento “o que me faz querer mudar desse jeito?”. Ou seja, que mudança amplia o meu campo de jogo, e qual me torna um personagem de uma história alheia?


Crescer envolvia buscar certas conversões e resistir a outras". A frase indica essa mudança de eixo: não “como mudo?”, e sim “quais mudanças merecem o meu esforço — e por quê?”. Ele também lembra que “a conversão, então, nesse sentido psicanalítico, é um disfarce.” Disfarce não no sentido moralista de “falsidade”, mas como economia psíquica: um modo de sobreviver ao que não se tolera. O problema começa quando o disfarce vira identidade e a pessoa passa a crer que é a máscara que a protegeu.


A moldura dos nossos códigos de mudança vem do panorama cultural: “Uma cultura, entre outras coisas, é um repertório de formas desejáveis de mudanças". Cada época define o jeito desejável de mudar: da redenção moral ao upgrade produtivo, passando pelo wellness de alta performance.



 
 
 

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