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Pulsão do destino e repressão do futuro

Atualizado: 29 de out.

"Ballet Dancers" de Henri de Toulouse-Lautrec (1885)
"Ballet Dancers" de Henri de Toulouse-Lautrec (1885)

Pulsão de destino” (destiny drive) e “Repressão do futuro” (repression of the future) são conceitos desenvolvidos pelo psicanalista norte-americano Christopher Bollas, que ampliam a metapsicologia freudiana ao introduzir uma dimensão estética e prospectiva da mente.


Ele desenvolve as noções de pulsão de destino e repressão do futuro principalmente em seu livro Forces of Destiny: Psychoanalysis and Human Idiom. É aí que ele formula a ideia de uma força pulsional voltada não apenas à satisfação, mas à forma, e propõe que o ser humano é movido por um impulso de realizar-se — de transformar o que poderia ser em experiência vivida. Posteriormente, Bollas retoma esses temas em Being a Character, especialmente no capítulo “Psychic Genera”, onde descreve estados de estagnação e fechamento ao porvir — manifestações clínicas da repressão do futuro


Bollas descreve o ser humano não apenas como alguém movido por pulsões que buscam descarga, mas por uma força de forma e continuidade, que ele chama de pulsão de destino. Essa força expressa o impulso do self em tornar-se o que já é em potência, realizando o próprio idioma do ser — a maneira singular de estar no mundo. Nesse contexto, o inconsciente não é apenas um reservatório de traumas, mas um campo generativo, criativo, voltado à expansão e à transformação.


O destino aqui não é algo determinado, mas um processo vivo, continuamente elaborado, que se atualiza na relação com os objetos e com a linguagem. Já a repressão do futuro é o mecanismo que bloqueia essa pulsão criadora. A pessoa não reprime apenas lembranças — reprime o próprio desejo de continuar vivendo criativamente. O recalque de futuros leva à estagnação e ao vazio, sintomas de uma mente que perdeu confiança no mundo e em sua própria capacidade de se transformar.


“(...) junto com o destino que uma pessoa traz para a análise, há também uma pulsão de destino, que só pode ser um potencial cuja realização depende menos da investigação minuciosa — como a de um detetive — dos sintomas oraculares ou dos sonhos, e mais do movimento em direção ao futuro através do uso do objeto, um desenvolvimento que os psicanalistas chamam de transferência.” (Christopher Bollas em tradução livre)

A pulsão de destino pode ser descrita como uma força de continuidade que organiza o tempo interno do sujeito, não apenas como memória, mas como tendência de vir-a-ser. Não se trata de um futuro planejado, e sim de uma inclinação do ser, uma estética da vida que se revela em sua forma de existir.


A psicanálise sempre soube que o inconsciente não fala apenas do passado. Ele também sonha adiante. Há desejos que se voltam não para o que foi, mas para o que ainda não encontrou forma. Quando essa corrente é bloqueada — quando o sujeito perde o interesse apaixonado pelos objetos do mundo, quando o tempo se torna repetição sem projeto — instala-se o que Bollas nomeia como repressão do futuro.


O destino, nesse sentido, não é uma linha reta, mas um ritmo, um compasso afetivo que liga o que fomos ao que ainda podemos ser. Nos termos usuais, destino costuma ser entendido como algo fixo, predeterminado, oracular, um roteiro do qual não se escapa — aquilo que “está escrito”. Em Bollas, porém, o destino é processual, criativo e relacional, e se opõe justamente a esse fatalismo.


“Deve ficar claro que acredito que uma das tarefas da análise é possibilitar que o analisando entre em contato com o seu destino, o que significa a articulação progressiva de seu verdadeiro self através de muitos objetos.” (Christopher Bollas em tradução livre)

Em sua obra Forças do Destino: Psicanálise e Idioma Humano, ele diferencia fado e destino. O fado representa a vida dominada pela repetição — o sujeito “fadado” a reviver o mesmo enredo inconsciente. Já o destino, em Bollas, é a abertura à transformação, a capacidade de criar e atualizar o próprio modo de ser. Ele escolhe deliberadamente o termo “pulsão” (drive) para falar do destiny drive porque quer afirmar que o impulso de realizar-se é tão radical e constitutivo quanto o impulso de satisfazer-se.


Ao mesmo tempo, não é apenas uma representação mental, algo que se possa escolher ou desejar conscientemente. É uma pressão originária do inconsciente, uma exigência da vida psíquica — portanto, pulsional. Bollas escreve que o inconsciente é um campo generativo, não só recalcador. Essa energia de expansão leva o self a buscar experiências e objetos transformacionais. O analista deixa de ser quem “interpreta o passado” para ser quem sustenta o campo onde o futuro pode se formar.


“O sentido de destino traçado (fate) é um sentimento de desespero diante da impossibilidade de influenciar o curso da própria vida. Já o sentido de pulsão de destino (destiny) é um estado diferente — quando a pessoa sente que está avançando em uma progressão de personalidade que lhe dá a sensação de conduzir o próprio caminho.” (Christopher Bollas em tradução livre)

Em relação à repressão do futuro, Bollas mantém o termo repressão (repression) porque quer mostrar que o mesmo mecanismo psíquico que impede certas lembranças de emergir também pode impedir certos futuros de nascer. Ou seja, o psiquismo não recalca apenas o que foi vivido — ele recalca possibilidades.


Nesse contexto, o inconsciente é encarado como um campo de virtualidades. Ele contém tanto o que foi quanto o que poderia ter sido e ainda pode ser. Assim, o sujeito pode defensivamente excluir certos modos de vir-a-ser, porque esses modos ameaçam seu equilíbrio narcísico ou reativam experiências de perda e desamparo.


A repressão, aqui, não se refere a um evento futuro literal, mas a um potencial psíquico de futuro. Bollas entende o inconsciente como uma fonte gerativa de formas de ser. Quando essa fonte é ferida — por trauma, vergonha, desamparo — o sujeito antecipa o fracasso e interdita internamente o movimento de vir-a-ser. Assim, o futuro deixa de ser campo de invenção e vira um espaço de repetição.


A análise, nesse contexto, não visa apenas rememorar o passado, mas reanimar o tempo.


“A pessoa que vive a partir desse sentido interno de destino terá um conhecimento intuitivo na escolha de objetos, baseado na necessidade de expressar o idioma do verdadeiro self, e, por sua vez, terá objetos imaginários (futuros) que são visões de um potencial a ser realizado.” (Christopher Bollas em tradução livre)

Referências

  • BOLLAS, Christopher. Forces of Destiny: Psychoanalysis and Human Idiom. London: Free Association Books, 1989.

  • BOLLAS, Christopher. Being a Character: Psychoanalysis and Self Experience. London: Routledge, 1992.
















 
 
 

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