O que é a cura para a psicanálise?
- Rafael Santos
- 17 de set.
- 2 min de leitura

Em psicanálise, só faz sentido dizer que alguém está “curado” se aceitarmos que cura não é a erradicação definitiva do conflito, mas a conquista de uma elasticidade psíquica que amplia, de modo estável, a capacidade de simbolizar, de se vincular e de viver criativamente. O eixo do trabalho psicanalítico não é suprimir fenômenos, mas restituir sentido, ligação e criatividade à vida psíquica.
Isso significa que o que antes se manifestava como sintoma mudo torna-se matéria de pensamento e narrativa. Dizer “curado”, portanto, não é obter um atestado de normalidade, mas nomear um ganho estrutural: mais coesão do self, menos clivagens, menos atuação, mais possibilidade de escolha e responsabilidade: o sofrimento não desaparece da existência; ele se torna pensável, partilhável e manejável — e isso, para a psicanálise, é o que merece o nome de cura.
A leitura do sintoma como excesso e a “cura” como retorno ao equilíbrio homeostático pode ser muito enganadora. O custo é o de tratar a mente como uma máquina termodinâmica, perdendo de vista a imaginação, a linguagem e o vínculo humano. A clínica moderna — tal como Foucault descreve — organizou-se em torno do olhar que diagnostica e prediz fins a partir de um método; aí, “curar” é fazer o corpo voltar à norma.
Um grande desafio da psicanálise, inclusive a nível social e coletivo, é o de reabilitar a imaginação, a arte e o sonho como modos legítimos de pensar (inclusive enquanto dormimos). O efeito analítico se mede por amplitude de vida, e não por uma remissão burocrática de sintomas.
Afinal, no campo das áreas psi, é sempre necessário ter cuidado com o moralismo travestido de técnica. A competência específica do analista é dar espaço à gramática do inconsciente e sustentar a tradução viva entre mundos psíquicos—não ocupar o lugar de superioridade moral.
Não há promessa de felicidade nem retorno a um antes idealizado. O que se busca é que o sintoma possa perder seu estatuto de destino e ganhe o estatuto de fala - não porque se obedeceu a uma norma de saúde, mas porque surgiu uma forma de viver que antes não estava disponível.
A “cura” psicanalítica se distingue da cura médica porque não se mede por retorno a uma norma nem por um efeito técnico previsível do método sobre o organismo. A cura não é um estado final, mas o curso do tratamento, uma mudança de posição.
A cura em psicanálise não garante felicidade nem adaptação perfeita, mas nomeia a passagem em que o sujeito pode habitar outras possibilidades de vida (possibilidades singulares, aliás, as quais não podem ser universalizadas ou tomadas como modelo para outras pessoas).




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