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O que é a cura para a psicanálise?

"Country Garden with Sunflowers" de Gustav Klimt (1905)
"Country Garden with Sunflowers" de Gustav Klimt (1905)

Em psicanálise, só faz sentido dizer que alguém está “curado” se aceitarmos que cura não é a erradicação definitiva do conflito, mas a conquista de uma elasticidade psíquica que amplia, de modo estável, a capacidade de simbolizar, de se vincular e de viver criativamente. O eixo do trabalho psicanalítico não é suprimir fenômenos, mas restituir sentido, ligação e criatividade à vida psíquica.


Isso significa que o que antes se manifestava como sintoma mudo torna-se matéria de pensamento e narrativa. Dizer “curado”, portanto, não é obter um atestado de normalidade, mas nomear um ganho estrutural: mais coesão do self, menos clivagens, menos atuação, mais possibilidade de escolha e responsabilidade: o sofrimento não desaparece da existência; ele se torna pensável, partilhável e manejável — e isso, para a psicanálise, é o que merece o nome de cura.


A leitura do sintoma como excesso e a “cura” como retorno ao equilíbrio homeostático pode ser muito enganadora. O custo é o de tratar a mente como uma máquina termodinâmica, perdendo de vista a imaginação, a linguagem e o vínculo humano. A clínica moderna — tal como Foucault descreve — organizou-se em torno do olhar que diagnostica e prediz fins a partir de um método; aí, “curar” é fazer o corpo voltar à norma.


Um grande desafio da psicanálise, inclusive a nível social e coletivo, é o de reabilitar a imaginação, a arte e o sonho como modos legítimos de pensar (inclusive enquanto dormimos). O efeito analítico se mede por amplitude de vida, e não por uma remissão burocrática de sintomas.


Afinal, no campo das áreas psi, é sempre necessário ter cuidado com o moralismo travestido de técnica. A competência específica do analista é dar espaço à gramática do inconsciente e sustentar a tradução viva entre mundos psíquicos—não ocupar o lugar de superioridade moral.


Não há promessa de felicidade nem retorno a um antes idealizado. O que se busca é que o sintoma possa perder seu estatuto de destino e ganhe o estatuto de fala - não porque se obedeceu a uma norma de saúde, mas porque surgiu uma forma de viver que antes não estava disponível.


A “cura” psicanalítica se distingue da cura médica porque não se mede por retorno a uma norma nem por um efeito técnico previsível do método sobre o organismo. A cura não é um estado final, mas o curso do tratamento, uma mudança de posição.


A cura em psicanálise não garante felicidade nem adaptação perfeita, mas nomeia a passagem em que o sujeito pode habitar outras possibilidades de vida (possibilidades singulares, aliás, as quais não podem ser universalizadas ou tomadas como modelo para outras pessoas).

 
 
 

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