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"O Colibri" de Sandro Veronesi (Resenha)

Atualizado: há 16 horas

"O Colibri" de Sandro Veronesi.
"O Colibri" de Sandro Veronesi.

Sandro Veronesi escreve um romance em mosaico através de cartas, emails, telefonemas, relatórios, listas e cenas cortadas. O resultado é um “livro familiar” onde cada memória vem de um ano diferente — 1970, 1999, 2018, 2030 — e ainda assim monta um corpo uno.


"O Colibri" tem uma veia satírica fina, discreta. Em diversos momentos,  Veronesi brinca com o nosso fetiche de especialistas. O escritor italiano escreve a partir de colagens e fragmentos. O livro lança duas teses: 1) As relações decidem seu destino no início; 2) Certas vidas são empurradas por catástrofes. Para a psicanálise, esse “destino” muitas vezes é outro nome para o circuito de repetição. As relações inéditas que buscamos como reedições de relações anteriores.


Há uma névoa de crenças que ronda as personagens. Veronesi mostra o feitiço dessas crenças e, num segundo depois, ri do mesmo mecanismo. A mágica como efeito de linguagem. Marco e Luisa sustentam um amor epistolar, Quando a aproximação ameaça a palavra com ato, o feitiço é quebrado e o laço retorna à letra. A relação de Marco e Luísa parece possível somente através da palavra.


A forma fragmentária do livro encena a própria vida psíquica: lapsos de tempo, cartas que chegam fora de hora, emails, inventários, confissões interrompidas ou que chegam tarde demais. O romance mapeia a vida por episódios. Veronesi alterna entre a intimidade das cartaz e a objetividade das listas. O romance organiza a experiência como ela chega — fragmentada, porosa ao acaso. Instiga em quem lê uma curiosidade de quem abre envelopes.


Psicanalistas como Pierre Fédida pensam a “depressividade” como uma uma cadência que abre espaço para remanejamentos, diferente, portanto, do congelamento da depressão. O livro alterna precisão (detalhes sensoriais, uma música tocando baixinho na vitrola enquanto o destino bate à porta) com o humor fino e irônico que alivia o trágico.


"Deveria ser de conhecimento geral - mas não é - que o destino das relações interpessoais é decidido no início, de uma vez por todas, sempre, e que, para saber antecipadamente como as coisas vão terminar, basta olhar para como começaram".

Colibri” é apelido de infância e destino. O protagonista que recebeu esse apelido, Marco, mantém alergia às “interpretações psicanalíticas” aplicadas aos outros ao redor dele. Ainda assim, aproxima‑se de um profissional específico — o analista da sua ex-mulher que é capaz de falar fora do estereótipo e dentro do acontecimento.


Ao longo da vida, as mulheres com quem ele se relaciona fazem algum tipo de análise. Formula uma metáfora comparativa: como o tabaco, não basta não praticar, é preciso se proteger de quem pratica. O romance brinca com essa “alergia” de Marco aos psicanalistas justamente porque, narrativamente, o coloca o tempo todo em contato com eles — e muitas vezes em situações-limite  —, como se fosse um jogo de ironia entre o que ele rejeita e o que o destino (ou o autor) insiste em trazer.


O texto não trata a aversão dele como um dado meramente racional, mas como algo marcado por afetos, lembranças e repetições — o que, ironicamente, é o tipo de coisa que um psicanalista adoraria analisar. Assim, a “alergia” de Marco é ela própria um material psicanalítico, mas o livro a encena sem submetê-la a uma interpretação clínica direta, deixando o leitor fazer a interpretação.


"De resto, a melhor descrição que se pode fazer de qualquer lugar é contar o que nele acontece", escreve Veronesi. Lugares (e pessoas) não têm essência estática; ganham sentido pelo que acontece ali. É uma ética do evento: somos o que fazemos quando algo passa por nosso caminho. Para conhecer um lugar, é preciso contar o que nele sucedeu. Para conhecer uma pessoa, é preciso contar o que ela faz quando a vida sucede.


No Colibri, o destino é trabalhado como algo que oscila entre o movimento e a imobilidade — a vida do protagonista é atravessada por forças que o empurram para agir e, ao mesmo tempo, para permanecer onde está. Mover e pairar. O livro ama esse paradoxo. Fala ainda da perda e da responsabilidade, ao mesmo, de cuidar dos outros, sem se perder de si. Para sobreviver psiquicamente, personagens se protegem inventando sinais.


"As crianças são extraordinárias, o senhor sabe disso, percebem mais o que é silenciado do que é o que é dito".

O “mover” aparece nas mudanças que ele enfrenta (perdas, deslocamentos, decisões impostas pelo tempo e pelos outros), enquanto o “parar” se manifesta na maneira como ele resiste a certas transformações, tentando preservar o que considera essencial, mesmo que isso signifique não avançar no sentido esperado pela sociedade.


O destino, no livro, não é apenas o que o leva adiante, mas também o que o mantém fixo em certos pontos — lembranças, vínculos, afetos. É como se Veronesi propusesse que o verdadeiro destino fosse uma coreografia entre avanço e permanência, em que parar também pode ser uma forma de se mover, e mover-se, uma forma de preservar.


A obra também fala do que se faz com as perdas. E aponta que a libido é o que pode salvar. Não como defesa maníaca, mas como permissão ética para retomar o que liga ao mundo. No luto, há sempre o risco da lealdade culpada vira autointerdição. Quando a pessoa “censura a libido”, congela o processo.


E, de repente, entendi que você realmente é um colibri. Mas não pelas razões pelas quais te deram esse apelido: você é um colibri porque, como o colibri, põe toda a sua energia em permanecer parado. Setenta batidas de asas por segundo para permanecer onde já está. Você é incrível nisso."



 
 
 

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